Quarta-feira, 25 de Abril de 2012
A palavra é: vegetar
O tempo tarda a passar. Uma hora leva um século; um dia, uma eternidade.
E entretanto já passaram 13 dias. Bissau adormece triste e acorda
acabrunhada. Vive na incerteza. O corrupio de gente que se vê à volta de
tudo o que mexe, não passa de uma ilusão. Um dia, contudo, tudo
passará. Tudo se esbaterá, esqueceremos tudo. O que era ontem já não é
hoje. Sei-o há muito. Aqui, tudo acontece e uma vez acontecidas, se
fixam para sempre e se vão somando na eternidade até à plena consumação
dos séculos. Sempre acreditei nisto - que piada.
Mas aqui, convém deixar bem claro: uma coisa é a memória, outra o
sentir. Podemos pensar sem nada sentir, temos esse direito. Se não está
na Constituição, isso agora pouco importa. Também já não existe a
Constituição. Está na gaveta, fecharam-na lá - e quem terá mesmo a chave
dessa gaveta? Bissau continua, nesta sua ausência de espaço e de tudo,
assustada, porém serena. Bissau tornou-se na própria imagem da
relativadade. Aqui, nada se concretiza. Vai-se adiando, atropelando tudo
e todos.
Por cá, tudo é efémero. Até chorar os mortos. Chora-se baixinho, talvez
com medo que alguém nos fixe o rosto. E nos denuncie. E por aqui
estamos. Como sempre, tudo correu torto e no meio de enorme confusão.
Quando o sol se põe, Bissau torna-se ruidosa. Tacteio entre as pessoas.
Quero sentir-me vivo, quero ter alguém, ainda que desconhecido, com quer
falar de coisas banais. O sol está quase a pôr-se. Por três horas,
parece que esta cidade, estagnada e quase sem vida, vem para a rua. Vejo
a angústia nos rostos dos mais velhos e a indiferença nos mais novos.
Pressinto nuns a amargura dos dias difíceis por vir. Sente-se essa
presença, que são bem mais palpáveis que a própria angústia existencial.
Dói.
É evidente que perdemos uma certa dose de paz. A indiferença, consciente
e responsável, está a conduzir-nos para um beco sem saída. A
Guiné-Bissau está isolada, quase decapitada. Os funcionários públicos
não receberão os seus vencimentos, e as empresas privadas despediram
trabalhadores porque também não facturam. É o drama social que se
aproxima a passos largos. Um tsunami! Devemos todos estar preparados.
Eu tenho medo, não por mim, mas pelos mais necessitados. Mas devemos ter
medo, porque no fundo eu sei que tudo só vale a pena quando se sabe que
nada vale a pena, quero dizer, quando aceitamos e não estorvamos, mas
também não participamos, a não ser por acaso. E Bissau? Cá está,
solarenga, quente como o inferno, a humidade cola-se-nos à pele. Mas
continua a haver nas suas gentes uma doçura e simplicidade que me
conforta. É na simplicidade que nos vemos melhor, nos avaliamos e o
mundo torna-se, de repente, claro. Muito mais claro.
António Aly Silva
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